O contrato de trabalho estabelece não apenas a remuneração, mas também as funções que o empregado deve exercer. Quando, na prática, o trabalhador passa a desempenhar atividades diferentes ou adicionais às previstas inicialmente, sem a devida contraprestação, surge uma situação de desequilíbrio na relação de trabalho. É nesse contexto que se enquadram o desvio de função e o acúmulo de função.
O desvio de função ocorre quando o empregado é contratado para determinada atividade, mas passa a exercer, de forma habitual, funções distintas e de maior responsabilidade ou complexidade, sem a correspondente alteração salarial. Já o acúmulo de função se caracteriza quando o trabalhador, além das atribuições para as quais foi contratado, passa a executar outras funções cumulativamente, ampliando sua carga de trabalho sem a devida compensação financeira.
Essas situações são mais comuns do que se imagina e, muitas vezes, se instalam de forma gradual. O trabalhador aceita novas tarefas para demonstrar comprometimento, ajudar a equipe ou evitar conflitos, sem perceber que está assumindo responsabilidades que deveriam ser reconhecidas e remuneradas. Com o tempo, o acúmulo de atividades se torna rotina, e a valorização nunca vem.
A legislação trabalhista busca preservar o equilíbrio contratual e impedir o enriquecimento indevido do empregador às custas do esforço do empregado. Quando há desvio ou acúmulo de função, o trabalhador pode ter direito a diferenças salariais, reflexos em férias, 13º salário, FGTS e demais verbas trabalhistas, considerando todo o período em que exerceu funções além daquelas originalmente contratadas.
A caracterização do desvio ou do acúmulo de função não depende apenas do cargo registrado em carteira, mas da realidade do trabalho executado diariamente. A análise envolve a descrição das atividades, a comparação com a função contratada, a habitualidade das tarefas e o nível de responsabilidade assumido. Testemunhas, documentos internos e a rotina de trabalho são elementos fundamentais para a comprovação do direito.
É importante destacar que nem toda alteração pontual de tarefas configura desvio ou acúmulo de função. A legislação admite certa flexibilidade, desde que não haja prejuízo ao trabalhador nem mudança significativa no conteúdo ocupacional do cargo. Por isso, cada caso exige análise cuidadosa, técnica e individualizada.
Muitos trabalhadores só percebem que houve desvio ou acúmulo de função quando deixam o emprego ou quando comparam suas atividades com colegas que recebem remuneração maior para exercer funções semelhantes. Nesses casos, é possível discutir judicialmente as diferenças salariais não pagas, respeitados os prazos legais.
A análise jurídica especializada permite avaliar se a situação vivida configura efetiva violação do contrato de trabalho, identificar os valores devidos e definir a melhor estratégia para a defesa dos direitos do trabalhador, sempre considerando os riscos e as particularidades do caso concreto.